O jogo jogado – Tribuna do Norte

Vicente Serejo
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vio, mas essa natureza é intrinsecamente nascida do pragmatismo, daí a obviedade que pelo toque de redundância tem força elucidadora. Ninguém foge dos atos que pratica, para o bem ou para o mal. Governar, lembremos, é fazer o bem, ensinou Cortez Pereira. Nas palavras e gestos fica sempre a impressão digital como uma marca a ser justificada, ainda que o malabarismo, algumas vezes, acabe até por prevalecer.
Quando a governadora Fátima Bezerra assumiu o poder, encontrou, na sua mesa de trabalho, o legado monumental de quatro folhas de pessoal do Poder Executivo em atraso. Bem ao contrário do Legislativo e do Judiciário, rigorosamente mantidas em dia, embora o governante anterior tenha declarado na campanha que faria o melhor governo da história política do Estado. Fátima Bezerra adotou o hábil artifício de manter a folha do seu governo em dia para fixar o desastre no passado.
Como fez? Manteve a novas folhas na data certa, e quitou aos poucos o gigantesco passivo, jogo que gerou o inegável mérito de não deixar seu governo atrasar salário. A dívida, injustificável, acabou retratando o pecado do antecessor. Petista, governava sob o estilo bolsonarista, sem acesso ao prestígio do Planalto e aos caminhos pouco fáceis na Esplanada dos Ministérios. Sua frieza foi inegável no tabuleiro político, apostando nas pedras do futuro ainda incerto de uma volta de Lula.
Mas, o jogo político, como todo jogo de salão, também faz suas revelações. O seu mérito de chegar ao fim da primeira gestão com a teia de acordos e alianças que soube tecer, a fez ser reeleita no primeiro turno. Por isso é, de forma indireta, mas autêntica, um produto das próprias elites das esferas política e privada, cumprindo um velho vício, desde a Colônia, de se associarem ao poder, e acima das próprias ideologias que declaram abraçar. É das elites esse mimetismo camaleônico.
Nada é mais emblemático na história cristã do que o gesto deplorável de Pôncio Pilatos ao lavar as mãos diante do sangue de um justo. Ali, a política, mesmo nas mãos de um rei poderoso, já incorporava o muro como instrumento e, assim, inventava o escapismo. De lá até aqui, não tem sido diferente. Todas as vezes que o poder precisa trair a própria posição, como forma de escape, busca no almoxarifado a escada, encosta no muro mais alto e mais forte, e sobe. Sem culpa e sem remorso.
Com a persistente avaliação negativa sempre em torno de setenta por cento, o que revela, pela própria persistência, um perigoso processo de cristalização dos juízos de valor coletivos, o governo, até hoje, seis anos, sequer conquistou um índice positivo na educação. Tem dois anos para operar o milagre diante de dívidas acumuladas, sob pena de ser condenado pelo mesmo eleitorado que o consagrou. E agora muito duramente empobrecido na sua retórica, afinal Lula governa o País.
PALCO
AVISO – Partido de centro não indica ministros. Sua missão correta é apoiar o governo naquilo que é bom para a sociedade e contestar o que for mau. O escravo dos palácios escraviza a independência.
JOGO – O conceito revela que não há partido de centro no Brasil. Sua ideologia é abrir espaço no poder em troca dos votos nos plenários. Sejam esses governos de direita, esquerda ou misturados.
DITADURAS – A historiadora Sylvia Colombo revelou em seu artigo na Folha de S. Paulo que o continente latino ainda mantém o recorde de presos políticos: Venezuela, Cuba e Nicarágua lideram.
RECORDE – O governador Tarcísio de Freitas encontrou 263 benesses fiscais, bem penduradas no ICMS. São tantas no país que hoje chegam a 6,9% do PIB. Todas elas em favor de grupos influentes.
PERFIL – O IBGE informa: quem nascer em 2025 vai viver mais, com menos irmãos, com menos filhos e irá além os 75 anos. Os idosos, na projeção para 2070, serão 37,8% da população brasileira.
MODELO – Se a nova secretária de comunicação da Prefeitura, a jornalista Cristina Vidal Bezerra, não discriminar colunistas, já impõe um belo salto de ética e dignidade ao um cargo que é público.
POESIA – De Walflan de Queiroz, no poema que abre ‘O Tempo da Solidão’, em plenitude, como só ele: “Um navio inútil vem da minha infância e me chama / para uma viagem cujo rumo ignoro”.
FEITIÇO – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, olhando a cena política que vai se erguendo pouco a pouco: “O político sabe muito bem abafar o calor da raiva com o gelo da frieza”.
CAMARIM
FILTRO – As reiteradas palavras de gratidão do prefeito Paulinho Freire pelo apoio decisivo de Álvaro Dias, já contrastam com aquelas filtradas pela nova gestão. Como acusar de ter recebido como herança um rombo de quase um bilhão de reais. O jogo começou. Dois dias depois da posse.
LENTE – Faz parte do jogo político esse filtro que veladamente descontrói o passado para construir o futuro e justificar as dificuldades que venham a retardar o ritmo. Principalmente essa realidade se refletir nos cenários demorados de obras inacabadas. O jogo do poder é assim. Não tem segredos.
ESTILO – A vice-prefeita Joana Guerra, que, se sabe, é um símbolo de Álvaro Dias no conjunto da nova gestão, vai contar com um grupo de vinte e cinco assessores, entre maiores e menores. Ao ampliar o quadro, o então prefeito soube inventar espaços para acomodar a sua legião de guerreiros.
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